Em 2011, os produtores norte-americanos foram castigados pela seca, inundações e baixas temperaturas em uma das piores catástrofes climáticas do país, causando enormes prejuízos na agricultura. "Ao contrário do que acontece no Brasil, não vemos as ruas da capital do país serem tomadas pelos tratores em uma tentativa desesperada de pressionar o Governo a renegociar uma enorme dívida rural, já que dificilmente o financiamento será pago, e nem a descapitalização dos produtores rurais trazendo consigo inúmeras consequências negativas", afirma Vitor Ozaki, professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES), da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (USP/ESALQ). Em entrevista, Ozaki aborda contrastes e reflexões envolvendo o crédito rural e a gestão de riscos para o setor.
Como os produtores norte-americanos trabalham a questão do seguro agrícola?
Vitor Ozaki (VO): Eles construíram um dos maiores e mais eficientes sistemas de seguro agrícola do mundo capaz de "blindar" seus produtores contra vários tipos de catástrofes climáticas. Os resultados são surpreendentes. Ao todo, US$ 11 bilhões foram pagos em indenizações aos produtores rurais. Tal montante é o maior da história dos EUA ficando a frente do maior valor registrado até então: quase US$ 9 bilhões em 2008. Mesmo assim, a sinistralidade média foi de 0,91, ou seja, para cada dólar gasto com o seguro foram pagos em indenização 0,91 centavos de dólar.
Isso foi bom pra todo mundo?
(VO): Bom para o Governo, para a indústria de seguros e, melhor ainda, para os produtores rurais. Por esse motivo, na nova Lei Agrícola (new Farm Bill), aprovada recentemente pelo Senado dos EUA, aproximadamente US$ 1 trilhão de dólares será direcionado nos próximos dez anos aos programas de seguro agrícola e suporte de preços.
E para onde irá esse montante?
(VO): Parte destes recursos tem destino certo: subsidiar o seguro agrícola. Para se ter uma ideia, em 2011 eles destinaram US$ 7,5 bilhões para esse fim. Com esses recursos o Governo paga parte do prêmio e o produtor a outra parte.
Como isso funciona em outras partes do mundo?
(VO): Na Espanha, onde também existe um amplo programa de seguro agrícola, o total alocado ao subsídio foi de US$ 513 milhões. Recentemente conduzi um estudo mostrando que cerca de R$ 1 bilhão em subsídio (quase US$ 500 milhões) seria necessário para segurar todo o crédito rural de custeio das lavouras em uma área com pouco mais de 24 milhões de hectares.
E no Brasil, como estamos?
(VO): Em 2011, o Brasil destinou ao programa de subsídio ao prêmio apenas US$ 152 milhões suficientes para cobrir uma área segurada de 5,6 milhões de hectares apenas. Nos EUA, o subsídio foi suficiente para segurar quase 85% da área total plantada com as principais culturas, ou seja, pouco mais de 107 milhões de hectares segurados.
O governo tem que contribuir com o desenvolvimento do seguro agrícola?
(VO): É preciso evoluir paulatinamente, em uma sólida base institucional que avance juntamente com o mercado. A experiência internacional mostra que a participação do governo é decisiva no desenvolvimento do seguro agrícola, todavia, seu papel precisa ser bem definido, com metas e regras transparentes, e acima de tudo, evitar as interferências político-partidárias. As soluções técnicas e a busca pelo melhor uso dos recursos dos contribuintes devem nortear as ações do governo.
Como você avalia a postura do nosso governo?
(VO): Aqui, nosso Governo parece ignorar e subestimar a importância do seguro agrícola. Esse descaso tem deixado o mercado inseguro para investir no país, além de inviabilizar qualquer planejamento a médio e longo prazo, afetando inclusive as decisões do próprio Ministério da Agricultura que não consegue definir os rumos do Programa de Subvenção ao Prêmio (PSR). Os recursos, que já são escassos, ainda sofrem contingenciamentos e atrasos no repasse às seguradoras. Enfim, enquanto nosso principal competidor no agronegócio direciona bilhões de dólares ao seguro agrícola, nós tentamos fazer milagres com as migalhas jogadas ao mercado e deixamos milhares de produtores sofrerem com as oscilações climáticas.
Fonte: Esalq Autor: Caio Albuquerque
0 comentários
Postar um comentário