terça-feira, 18 de outubro de 2011

Fisiologia, Comportamento, Bem Estar e Sanidade dos Animais Leiteiros


Hoje em dia, produtores rurais utilizam tecnologias de ponta em sua produção, com o intuito de melhorar os índices de conversão alimentar, produtividade por animal e o lucro. Para tal, muitos optaram pelo modo mais intensivo de produção, ou seja, aumentar a quantidade de animais por área em um ambiente controlado que seja capaz de aumentar a produção individual de cada vaca. Porém, se observam muitos projetos mal delineados que não seguem um paralelo com a fisiologia, comportamento, bem estar e sanidade dos animais. Desta forma, ao invés de possibilitar o animal de expressar seu máximo potencial genético em produção leiteira, o ambiente fornecido contribui para tornar este animal pouco produtivo, enfermo e com uma menor longevidade. O comportamento das vacas ao longo do dia pode dar dicas sobre alguns pontos que poderiam repensados.


Uma vaca leiteira gasta em média de 3 a 5 horas do dia se alimentando, de 7 a 10 horas ruminando e de 10 a 12 horas descansando (Tyson, 2004). Com a divisão de tempo diário em mente, sabe-se que a ordenha está imposta na agenda das vacas, e que ela também interfere no comportamento comum delas. O tempo recomendado para se ordenhar uma vaca seria de aproximadamente 3 horas, o que inclui deslocamento até a sala de ordenha, tempo na sala de espera, ordenha e retorno do animal.

Observa-se, na análise do tempo de descanso entre as melhores produtoras de leite e as vacas que estão na média de um rebanho, uma diferença de aproximadamente 19%. Ou seja, os animais que produziram a maior quantidade de leite no rebanho acima ficaram aproximadamente duas horas e 18 minutos a mais deitadas em relação aos outros animais. O que se pode concluir sobre isso?



É comumente sugerido que o maior volume de leite produzido por uma vaca acontece quando está deitada descansando. Nessa posição, seu sangue flui através da artéria pudica externa em uma quantidade aproximada de 24 a 28% maior em comparação ao animal em pé (Cook, 2005). Tanto o tempo de ruminação quanto a drenagem de sangue para o úbere são feitos de um modo mais eficiente quando as vacas estão deitadas do que quando estão em pé. Vacas experimentalmente impedidas de se deitar por um período de 14 horas tiveram uma redução na concentração do hormônio de crescimento, que é correlacionado positivamente com a produção de leite.

Cook (2005), investigando os índices de conforto animal em rebanhos que usavam camas à base de colchão e superfície com grânulos de borracha ou cama de areia, relatou uma chance  3 vezes maior das vacas em colchões obterem manqueiras do grau 3 e 4 em relação à cama de areia. Em conjunto com o resultado acima, foram encontrados valores significativamente maiores para período de tempo em que as vacas ficavam em pé. Pode-se então afirmar que a qualidade do piso fornecido no abrigo para descanso é diretamente proporcional ao tempo de descanso e inversamente proporcional à ocorrência de manqueiras.

O estresse por calor também afeta o tempo de descanso de vacas leiteiras. Nas horas mais quentes do dia,  elas preferem ficar em pé ao invés de se deitarem. Dessa forma, o tempo de descanso deitado é menor quando não se proporciona espaço de sombra e ventilação suficiente para os animais.

Observa-se que o pico de atividades de descanso das vacas é feito por volta de uma hora após a ordenha. Cook (2005) afirma que o horário em que se tem a maior porcentagem de vacas deitadas seria uma hora após a ordenha da manhã. O ideal seria um a porcentagem de 85% das vacas deitadas, retirando-se do total de vacas aquelas que estiverem se alimentando ou bebendo água, contabilizando apenas as deitadas, de pé sobre a cama ou nos corredores.


Valores similares ao estipulado por Cook, quando encontrados em abrigo para vacas poucas horas após a ordenha, permitem concluir que o ambiente em si favorece o conforto dos animais, assim como valores muito inferiores ao ideal citado acima podem ser indicativos de possíveis desacertos. Uma investigação minuciosa dos fatores predisponentes à hesitação dos animais em se deitar deve ser feita na tentativa cercar as possíveis falhas do sistema. Haley et al.(2000) avaliou parâmetros que indicam conforto e bem estar animal em um grupo de 8 vacas que passaram 3 semanas em dois diferentes estábulos que se diferenciavam entre si pelo espaço por animal, dureza de superfície e liberdade para os animais. Como resultado, se observou que o tempo gasto pelas vacas descansando no estábulo com melhor conforto foi 40% (4,2 horas por dia a mais) maior em comparação às vacas no período em que estavam no estábulo com menor conforto.

Outro parâmetro em que houve diferença significativa de comportamento foi o tempo de descanso, demonstrando que os animais alternaram mais a posição de descanso e em pé quando estavam no melhor estábulo, enquanto no estábulo menos confortável as vacas ficaram quase o dobro do tempo paradas em pé ao invés de se deitarem.

Vacas com intervalos de descanso menores trocam mais frequentemente de posição no chão, aliviando possíveis desconfortos que poderiam estar acontecendo. Vacas preferem intervalos de descanso em maior quantidade por dia e com menores intervalos de tempo quando não estão com problema de locomoção e o ambiente lhe fornece condições para tal.

Animais que vivem em ambientes com uma superfície de descanso muito desfavorável possuem um período total em pé maior, o que suporta a idéia de que um aumento no tempo em que as vacas estão em pé sem comer pode ser um indicador da falta de conforto desse ambiente.


A razão provável em que uma vaca se deita por um tempo total menor em superfícies desfavoráveis é explicado simplesmente porque se deitam em uma menor frequência e não por períodos menores de tempo. De fato, uma vez deitadas num piso de concreto ou de terra muito irregular e dura, elas ficam por longos períodos de tempo em comparação com pisos mais macios. No caso, a sua hesitação em deitar nesses ambientes provavelmente resulta da dor nos joelhos.

Entretanto, quando ocorrem melhoras na qualidade do piso, seu perfil padrão de comportamento volta ao normal. Em sistemas com piquete ou área de lazer, é muito importante checar se há espaço suficiente para a quantidade de animais abrigados, assim como espaço de cocho e bebedouro. Evitando disputas por abrigo, alimento e água, melhora-se o conforto das vacas. Também se deve checar periodicamente a quantidade de esterco acumulados nesses locais.

Falhas na limpeza podem acarretar muitos problemas com lama na época das chuvas, o que piora o conforto dos animais e os deixam mais susceptíveis a doenças de casco e mastite ambiental.

As características dos estábulos podem contribuir para ocorrência de lesões de jarrete. Segundo estudos, Rodenburg et al. 1994, avaliando escores da lesão em propriedades de Ontário, encontrou diferentes escores dependentes da superfície das camas utilizadas. Os animais que descansavam em tapetes de borracha tinham mais lesões do que os animais que tinham sua cama feita de colchão (Livesey et al., 1998).

Condições precárias de abrigo podem diminuir o tempo em que as vacas ficam deitadas (Leonardo citado por Haley, 2000).  Situações em que os abrigos estão cheios de lama e esterco molhado acumulado também vão interferir no comportamento de descanso desses animais, além de se tornarem potenciais causadores de doenças na glândula mamária e cascos. 

Privar uma vaca do repouso é considerado aversivo a elas. Um animal, após impedido de se deitar e comer por 3 horas, irá ficar deitado por mais tempo do que se alimentando (Metz c, 1985). Quando o período é prolongado, as vacas irão apresentar comportamentos que indicam frustração. Dessa forma, reduzindo o tempo de descanso do animal causará prováveis efeitos adversos no seu bem-estar e produtividade.

O espaço reduzido e constante reagrupamento das vacas aumentam a agressão entre o grupo, em parte porque elas vão ter que competir mais para comer e ocupar locais para descansar. Nessas condições, algumas vão ter mais sucesso do que as outras, obtendo assim locais para descansar e espaço no cocho para se alimentarem. Já os animais submissos vão se alimentar e descansar em momentos que não são os preferidos, diminuir suas atividades, enquanto os dominantes o estiverem fazendo, ou então tolerar locais menos preferíveis.

F. Galindo, D. M. Broom (2000) avaliaram as interações sociais e provisão de tempo diário individual em rebanhos de vacas com diferentes idades e estágios lactacionais de três propriedades em condições de manejo, estrutura e nutrição muito próximos, com o intuito de mensurar o efeito da posição hierárquica (baixa, média e alta), provisão de tempo diário e sobre os novos casos de manqueiras nesses animais.


Em relação ao comportamento, as vacas que faziam parte da posição hierárquica mais baixa ficaram uma menor parte do dia deitadas e os resultados foram significativos para a porcentagem do dia que ficaram em pé, ficando paradas nos caminhos para os estábulos e com os membros dianteiros sobre a cama. Na relação entre doenças nos cascos e tempo gasto em pé, houve significativas quantidades de lesões de sola, do espaço interdigital, de dígitos acessórios e dos valores totais de problemas com manqueira.

Em adição, os animais que permaneceram mais de 10% do tempo com metade das mãos na cama e metade no concreto obtiveram um valor significativo de lesões do espaço interdigital e dígitos acessórios. Sobre a relação entre a taxa de sobrevida às manqueiras, observou-se que os animais pertencentes à média e alta hierarquia do rebanho tiveram uma maior taxa de sobrevida às manqueiras, em relação aos animais que eram da baixa classe hierárquica.

Considerações finais



Empresários rurais que optaram por sistemas mais intensivos de produção devem ser analíticos e sempre buscar apoio técnico embasado para assessorá-los nas tomadas de decisão que relacionem instalações e manejo destes sistemas. Falhas na construção de instalações podem contribuir para afetar negativamente bem estar das vacas e predispor esses animais a desafios estressantes. Também costumam ser economicamente inviáveis para remodelagens ou adaptações.

O monitoramento da porcentagem das vacas deitadas uma hora após a ordenha em conjunto com outros parâmetros é indicado como uma ferramenta muito interessante que pode ser utilizada para se mensurar o conforto animal nas propriedades. Como foi visto, vários fatores que causam injúrias ou estresse para as vacas afetam direta ou indiretamente o comportamento de descanso desses animais.



Fonte: Reahgro   Autor: José Eustáquio Lage

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